sábado, 22 de março de 2008

Os Professores e o paradigma da Ota

Região de Leiria, 20.03.2008

O Professor Carlos André, em artigo do Região de Leiria, veio insistir numa ideia que, não sendo inédita, soa estranha: “se os professores rejeitam esta avaliação, deviam apresentar alternativas”.
Faz lembrar o caso da Ota, em que as absolutas certezas vieram a tornar-se relativas face a um “estudo independente” dos empresários. Agora seria a vez das alternativas dos professores. Se a moda pega, o Governo fica sem emprego, ou pior, ao Governo restará apenas o triste pelouro das más soluções, para estimular a sociedade a produzir as boas. Discordo. Ao Governo compete governar, e governar com acerto para bem de todos nós.
Ainda assim, os Sindicatos apresentaram alternativas para a avaliação. Só que, presumindo que dos Sindicatos nada vem de bom, o Ministério não aceita sugestões.
Na verdade há vida para além do inefável modelo do Governo, imposto com a mesma convicção com que defendeu a Ota.
Pessoalmente, por exemplo, pouco tenho contra a avaliação definida por Cavaco Silva há quase 20 anos. O governo de Cavaco já passou e o próprio agora é Presidente. Mas isso é fraco argumento para substituir uma política viável.
É largamente preferível a avaliação testada por anos de prática a isto que agora se apresenta. Não sendo perfeita, pelo menos não era o monstro de burocracia que agora se propõe. É costume ouvir-se que aquela não servia, por não distinguir os melhores. O que até é verdade, mas só em parte. No modelo antigo, a classificação de Bom era distintiva, mas meramente honorífica; e a máxima de Muito Bom nunca foi atribuída, porque os Governos não a regulamentaram. Se o Ministério quisesse, podia perfeitamente distinguir os melhores com as antigas regras de Roberto Carneiro.
Na situação actual, chegam a ser precisas 18 aulas assistidas para mudar de escalão, com os respectivos registos em triplicado: uma cópia para o professor, uma para o avaliador e outra para a escola. Total de 54 folhas, se a grelha aprovada for sucinta e couber numa folha singela. Por cada dois anos, no cúmulo de todos os professores, serão perto de um milhão de aulas assistidas, três milhões de páginas arquivadas algures. Será racional? Será eficiente?
Perante este Buldozer burocrático, mesmo os conceitos teóricos mais bem intencionados são cilindrados. Avaliar, distinguir os melhores, rigor, qualidade... são conceitos correctos, que infelizmente foram liquidados por uma regulamentação inábil. Para já, os prazos intermédios foram completamente esmagados pela inevitabilidade das coisas impossíveis. O resto irá a seguir, na enxurrada de remendos que o Ministério vai promovendo na TV e que tardam a ganhar expressão jurídica.
E no meio da confusão os professores é que têm obrigação de ir apanhar os cacos, apresentando alternativas? Isso é a política de pernas para o ar: os cidadãos governam e o Governo limita-se a atrapalhar.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Na outra margem

Notícias de Ourém, Março 2008


De repente toda a gente começou a falar de professores. E como entre nós todos sabem de tudo, basta ouvir uma coisa aqui ou ali para ir dando opinião. Diz-se agora pelos cafés que para livrar a escola de maus professores, a solução é castigá-los a todos com uma avaliação rigorosa, coisa que eles não querem. Há nessa ideia dois erros elementares: nem isso é remédio contra os maus professores, nem os professores rejeitam a avaliação.
Quando alguém se queixa de maus professores, é porque não deve haver professores nenhuns? Não! Essa conclusão é uma estupidez. O que é preciso é bons professores.
Quando os professores reclamam que esta avaliação é má, significa que recusam a avaliação? Não! É uma conclusão tão estúpida como a primeira. O que os professores querem é um sistema correcto.
Então e os professores não deviam apresentar alternativas? Sim e já as apresentaram, mas o Governo não aceita lições de ninguém. E além disso, como as podiam aceitar? Se até nos querem fazer crer que os professores é que dão cabo da escola.
Para quem ainda se lembra do caso da Ota, tem aí um bom exemplo do que se está a passar. Como dizem Sócrates e a Ministra, o seu caminho é o único caminho, não há alternativas, recuar não é possível, parar este modelo é pior do que nada fazer, porque o país não pode esperar. Como na Ota.
Como se, ao fim de 15 anos a aplicar a avaliação de professores pelas regras definidas por Cavaco Silva, elas tivessem perdido a validade de repente. Como se o mundo se acabasse por gastarem mais dois ou três meses a pensar em soluções melhores. Tem de ser agora, tem de ser às cegas, tem de ser sem preparação.
E assim se prossegue uma espécie de novela mexicana, com dobragem em brasileiro. A história é sempre a mesma, as vozes não acertam com os actores e a linguagem em que falam é vagamente parecida com a nossa, mas não é a nossa.
O argumento é fraco, os actores mal preparados, e só nos resta o triste consolo de podermos adivinhar o final: a ministra vai continuar no lugar, com a autoridade feita em cacos, como um Mário Lino, que tanto diz branco como diz preto; as certezas absolutas de hoje valerão amanhã menos de meio tostão furado; finalmente, numa reviravolta previsível, apoiada num estudo independente qualquer, vão descobrir outro caminho e passar à outra margem.
Se isso acontecer, caros governantes, os professores esperam lá por vocês.