segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O grande sonho

Notícias de Ourém, Agosto 2007

Pôr a Câmara à venda é uma ideia tão “original” que a princípio nos deixa aparvalhados, porque parece uma anedota. Depois reparamos que ninguém está a rir, e vem-nos à ideia que... podem estar a falar a sério. Com uma solução deste calibre, vale a pena ver como é que se chegou a esta originalidade que nos põe atordoados.
Fazer uma Câmara nova não era uma ideia recente, nem seria uma má ideia, desde que houvesse dinheiro. O problema é que não havia dinheiro. Mas isso que importa? Quatro, cinco, seis ou até sete milhões: desde que seja com dinheiro dos outros, ninguém tem de ser pobre de imaginação.
É verdade que quando resolveram iniciar a construção da nova Câmara, o Município já tinha dívidas para dar e vender. Sim, porque o Parque Linear, o Estádio de Fátima e outros que tais, tudo obras de primeiríssima importância, provavelmente continuam com os créditos para pagar.
Também é verdade que nessa altura já se sabia que a Lei ia travar os impulsos de certos gestores para endividarem as autarquias ainda mais. Mas que importância pode ter uma simples Lei, face ao sonho grandioso de construir uma obra de milhões? Não há dinheiro, mas pelo sonho é que vivemos.
O resultado, como era de prever, é bem real. E mesmo havendo quem não quisesse ver a evidência, muito boa gente se fartou de avisar.
Chegámos, entretanto, a uma situação de impasse: já se gastou demais, mas já não há fôlego para chegar ao fim. É um problema.
Mas pior do que não ter dinheiro para acabar esta obra, é não ter dinheiro para montar o circo dos alcatroamentos e das pequenas inaugurações de parques de merendas e afins em vésperas das cada vez mais próximas eleições.
Qual é a solução? Para um problema tão cabeludo tinha de se inventar uma solução completamente criativa. E aqui está ela.
Vende-se a Câmara! A autarquia, na falta de casa própria, passa para uma casa de renda, a 35.000 euros por mês, durante 40 anos. No imediato é uma preocupação a menos, um bico de obra adiado. E com o dinheiro que se conseguir apurar no negócio já há-de dar para fazer umas festas em 2009 e talvez o povo fique outra vez deslumbrado com foguetes e talvez até se esqueça da confusão que vai nas contas públicas do concelho. Ao fim dos 40 anos do contrato, quem cá estiver que se amanhe, que compre outra vez a Câmara, se tiver com quê, ou continue a pagar a renda por mais 40.
Falta só o melhor: como a solução milagrosa é um bocado “fora do comum” e a coisa pode dar para o torto, convém guardar um trunfo na manga.
Se vier a provar-se que a jogada tinha batota, por exemplo se um tribunal lhe puser um travão, os autores da brilhante ideia podem facilmente livrar a água do capote. Dirão que os culpados não são eles pela má gestão, que os culpados são os mauzões de Lisboa, aqueles que a toda a força querem travar o desenvolvimento da nossa terra, porque não nos deixam fazer negócios ruinosos nem empenhar o Concelho num acumular de dívidas. Enfim, esta parte do filme já não é tão original, é o discurso do costume, mas tem sempre funcionado bem.
E assim as cabeças inventoras, na falta de obras para inaugurar e de dinheiro para festas, podem fazer o papel de coitadinhos e tentar ganhar de novo, com lágrimas sentidas, os votos da agradecida população.

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