segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 de Abril

A minha versão é talvez um pouco singela. É a história de uma criança no Portugal interior.

Tinha seis anos, andava na 1.ª classe. O calendário de parede de 1973 que tínhamos lá em casa apresentava um Menino Jesus muito bonitinho no mês de dezembro e isso deixou-me com pena de esse ano acabar. Veio 1974. A eletricidade estava a chegar por essa altura a Formigais (o alcatrão na estrada veio mais tarde). A minha professora tinha mudado há pouco tempo, porque a primeira, durante o primeiro período, teve esse maravilhoso rasgo visionário de ir para o Ultramar. Quanta ironia!

Não me recordo muito da política desses dias, talvez apenas de alguns slogans e do MFA, uma ou outra parede escrita. Mas recordo-me de cantar para os meus colegas de turma, envergonhado, no estrado da sala de aula, "uma gaivota voava voava". A canção toda, de princípio ao fim!

A minha vida era simples, por esses dias. Escola de manhã, guardar cabras de tarde, quando o tempo permitia. Enfim, guardar cabras é quase hiperbólico, porque as cabras eram só três ou quatro e uma delas estava presa com uma corda. Basicamente não iam a lado nenhum, nem precisavam que as guardassem. Pastavam e eu brincava ou lia histórias infantis no quintal. Não havia nenhuma revolução. Não chegou lá a coletivização, nem as cooperativas. Apenas vagamente a rádio com canções de intervenção.

Um dos meus vizinhos tinha andado na guerra, outro cumpria serviço militar em Leiria. Lembro-me de ouvir falar dos tiros. Um primo de Lisboa passou a usar barba por essa altura, seguindo a tendência. E a minha irmã, que já andava na 5.ª classe, fazia desenhos com cravos e rapazes barbudos e espingardas e escrevia Liberdade e MFA. Ficou muito triste porque fizeram uma fogueira de livros (reacionários, certamente) da biblioteca da escola e o seu preferido Júlio Dinis não foi poupado.

E foram depois os livros, os amigos e as nossas revoluções privadas, nos nossos pequenos mundos, que me ensinaram muito mais tarde o significado da liberdade e da partilha e de não nos rendermos sem luta quando nos querem o pé sobre a nuca.

Viva a Liberdade!

1 comentário:

Carlos Gomes disse...

Os livros não são reaccionários... reaccionárias são as ideias e, quanto muito, as pessoas que as sustentam. E, refiro as pessoas com alguma ressalva porque, também estas, reflectem as contradições inerentes à sua própria experiência de vida, aos valores culturais e à dinâmica da sociedade em que se inserem. Queimar livros é sempre prenúncio de a liberdade se extingue!