segunda-feira, 16 de julho de 2007

A Carta Educativa

Notícias de Ourém, Fevereiro 2007

Todos se lembram da “guerra” do PDM? Ourém era dos poucos municípios do país que não tinha PDM. Depois veio o ultimato, quem não tivesse PDM não podia concorrer a certo tipo de financiamentos. A Câmara ameaçou pôr o Estado em tribunal e tudo, mas lá teve que se resolver a aprovar um documento. Acabou por ficar cheio de falhas e hoje é consensual que precisa de ser revisto.
Agora parece que a história se repete. Aparentemente há uma urgência incrível em aprovar uma Carta Educativa que anda há anos a ser escrita por uma qualquer empresa contratada para o efeito, mas que nunca mais a acaba. Suspeito que é outra vez o acesso a financiamentos que move a Câmara. A Carta Educativa deverá estabelecer o planeamento da educação para o Concelho e sem planos definidos não há dinheiro. Portanto, é urgentíssimo aprovar qualquer coisa.
Segundo o que eu percebo, a empresa não tinha o documento pronto, tinha apenas um rascunho. Mas dada a pressa, o que havia lá teve que servir e "ala, que se faz tarde".
Pegou pois a Câmara no dito rascunho e toca de o apresentar assim, mais ou menos, a ver se a coisa passa. Para já, passou na reunião de 12 de Fevereiro na Câmara Municipal e segue para a Assembleia Municipal a 28. Enquanto eu escrevo, ainda falta uma semana para a votação e eu, evidentemente, não sei o resultado. Mas olhando para a tradição de confiar nas propostas da Câmara e votar sem confirmar, estou em crer que a maioria vai dizer "amen" e o rascunho segue alegremente o seu caminho para as instâncias superiores, até que alguém responsável se dê ao trabalho de o ler.
E quando isso acontecer, vai haver uma surpresa. Vejamos porquê.
O projecto de Carta Educativa é composto de três partes. A primeira é um longo estudo sócio-económico da Alta Estremadura, com 165 páginas e muita informação que tem pouco ou nenhum interesse para o objectivo do documento. A segunda parte é sobre o Concelho de Ourém. Chama-se “Diagnóstico do Concelho de Ourém” e deveria ser a parte mais importante. A terceira parte faz a identificação dos edifícios de Jardins de Infância e Escolas de 1.º Ciclo que deverão ser alvo de intervenções.
Pois bem, é na segunda parte, a mais importante, que surgem os problemas. O maior deles é que os dados que lá estão apresentados não são de confiança. Há somas mal feitas, há projecções calculadas ao acaso, há freguesias com número de alunos a zero.
Apresento só um ou dois exemplos, retirados das tabelas. Na p. 30, na tabela sobre a Freguesia de Caxarias, número de alunos nos Jardins de Infância em 2005/2006: 14+24+25=49 alunos. Pois não, pois não! 63 é o resultado correcto. Freguesia de Espite, escolas de 1.º Ciclo: 9+45+22=22. Pois não, bem sei! O resultado correcto é 76. Na p. 39, a evolução do número de alunos no Casal dos Bernardos entre 2005 e 2014: nos Jardins de Infância uma redução de 18%, nas escolas de 1.º Ciclo um aumento de 68%. Na p. 43, o total de alunos em Jardins de Infância e 1.º Ciclo nas freguesias de Atouguia e Fátima, tanto em 2005 como em 2014... ZERO. Caxarias, Espite, Casal dos Bernardos, Atouguia, Fátima...
Vale a pena continuar com os exemplos? Se calhar não vale a pena, porque os casos são muitos mais. Quem se der ao trabalho vai ver que cada freguesia tem direito ao seu errozinho. Mas estes bastam para dar o panorama das 61 páginas do texto.
Nem sequer dá para chegarmos a discutir as orientações políticas da Carta Educativa. A falta de rigor dos dados faz cair pela base todas as boas intenções.
A única questão política que resta colocar é a seguinte: a empresa que redigiu o documento, a divisão de educação da Câmara Municipal, o vereador da educação, o Presidente da Câmara, o Conselho Municipal de Educação, todos os eleitos que votaram o documento... alguém leu o que lá está escrito?
Eu sou apenas um cidadão e um professor, o que me basta para achar que este tema merece atenção. Perante o que li, só tenho uma recomendação: comecem de novo, levem o assunto mais a sério.
E assim vai o planeamento em Ourém.

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