segunda-feira, 16 de julho de 2007

O rio da minha aldeia

Notícias de Ourém, Abril 2007

“... Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”

O poema é de Alberto Caeiro e lembra quem vive no seu cantinho modesto e pensa que aquele pequeno mundo é mesmo, mesmo especial. Acontece assim a quem vê com o coração.
No discurso político do nosso concelho adoptou-se uma daquelas palavras que se colam e nunca mais desgrudam: “especificidade”. A “especificidade” de Fátima. Vista de perto, Fátima é tão especial, que parece justificar todas as excepções do mundo. Mas vista de longe, pode parecer igual a muitas outras, e não chega para sustentar um tratamento diferente.
Já uma vez aconteceu assim com o Concelho de Fátima. Visto de cá, era a quase unanimidade. Visto de longe, as razões não eram assim tão evidentes. A ilusão poética do cantinho mais especial do mundo tornou-se na desilusão, quando se viu que o argumento era demasiado frágil.
Agora o sonho da “especificidade” voltou outra vez, com a reorganização das escolas do concelho.
Cá na terra, é opinião quase unânime que Fátima, por ser tão especial, justificava a diferença do seu sistema de ensino. É um caso tão singular, que nunca fez espanto a ninguém ter aqui, entre todas a cidades e vilas de Portugal, provavelmente a única que não tem, pelo menos, uma Escola EB2,3. Já para não falar em Ensino Secundário.
Com três colégios privados, nunca se achou necessário construir uma escola pública. Os privados têm prestado um serviço de qualidade, que não fica atrás das públicas, como a Secundária de Ourém. Não fica atrás nem à frente, é apenas equivalente. Ainda bem que assim é, para justificar os subsídios do Estado.
Só que agora, esta “especificidade” de Fátima resulta num problema. Uma nova regra geral para todo o país manda que os Jardins de Infância e Escolas de 1.º Ciclo se agrupem a uma escola com 2.º e 3.º Ciclo. No caso de Fátima, como não há mais perto, hão-de formar Agrupamento com a Secundária de Ourém.
Vista de perto, a solução é um bocado bizarra e parece não agradar a ninguém. Nem à Secundária, nem às escolas de Fátima, nem aos pais dos alunos. Mas até é irónico que esteja tão dentro do espírito da diferença constantemente apregoada.
Não há outras soluções? Talvez houvesse, mas parecem todas um bocado impossíveis.
Na sede de Agrupamento gerem-se e coordenam-se orientações pedagógicas e questões administrativas. Por outras palavras: ordenados de pessoal, gestão de carreiras, processos de matrícula e avaliação dos alunos, avaliação de professores, coordenação pedagógica das aulas, etc., etc., etc. Por tudo isto, agrupar com um Colégio privado era tão confuso como agrupar com Santa Catarina da Serra, ali tão perto. Num caso era misturar administração pública com privada, no outro eram concelhos, distritos e Direcções Regionais de Educação diferentes. Teria de ser um motivo muito forte para justificar esta solução. Mais forte do que a distância de 10 ou 20 quilómetros do percurso até Ourém.
A solução preferida era mesmo um Agrupamento sem ligação a nenhuma escola com 2.º e 3.º Ciclo, como era pelas regras anteriores. Mas como se fundamenta agora esta excepção? Com a “especificidade”? Com a distância? Então e não se podia fazer o mesmo, por exemplo, com Espite, Cercal e Matas? Vista de fora, a “especificidade” é uma ideia poética, mas não tem bases em que se apoie.
À falta de argumentos eficazes, resta a saída que o Ministério impõe ao concelho. O Agrupamento de Fátima passa a ter sede em Ourém, com todos os inconvenientes que isso vai trazer, sobretudo para os pais, que passam a dirigir-se à Secundária de Ourém para tratar da escola dos filhos.
Para já, é isto. E no futuro? Não se pensa numa solução mais elegante? Agora que a Carta Educativa voltou ao gabinete para ser melhorada, haverá uma saída?
Cá por mim, mesmo sabendo que não me acompanham as forças políticas do concelho, aqui está o que eu defendo: criar em Fátima a escola pública, que lhe é devida há mais de vinte anos. Só vinha engrandecer a cidade.
Provavelmente a Câmara argumentará com dificuldades, aceitará o que vier e ficará tudo na mesma. Bem sei também que não comprometo opiniões diferentes dentro dos outros partidos, enquanto insistir nesta ideia. E ao mesmo tempo o concelho continuará a sonhar com a “especificidade”. Afinal, vista de perto e olhada com o coração, Fátima até pode merecer mais esta excepção.

“Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.” (Alberto Caeiro)

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