segunda-feira, 16 de julho de 2007

Câmara à venda

Notícias de Ourém, Julho 2007

«Quem, dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro a calcular a despesa para ver se tem com que acabá-la? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que viram, comecem a troçar dele, dizendo: Este homem principiou a construir e não pôde acabar.» (Evangelho de São Lucas, 14:28-30)

Bem se vê que na Câmara de Ourém a leitura do evangelho não está na ordem do dia. Até seria útil, não necessariamente por motivos religiosos, mas por razões de simples bom senso. Há por lá umas passagens que podiam evitar mais um episódio do planeamento à moda da nossa autarquia. A história mais recente do nosso município parece inspirada nesta citação da Bíblia, só que não é uma torre, são os Paços do Concelho.
Veio nos jornais que se acabou o dinheiro para concluir o novo edifício da Câmara Municipal, já começado a construir mas que ainda vai a meio. Solução encontrada: vendê-lo já, antes de estar acabado!
É uma solução engenhosa, proposta da imaginativa maioria, que resolve, de uma vez só, uma série de problemas. Primeiro, passam a batata quente a quem a quiser; segundo, livram-se da vergonha de ter um esqueleto de prédio plantado no quintal da cidade; terceiro, fazem o negócio do século.
Por 5 ou 6 milhões de euros, desconfio que a fila de compradores não chegue a dar muito trabalho a contar. Mas se o negócio for um bom negócio... acaba sempre por ser um sucesso. E é certo que vai ser um bom negócio. Afinal, quando o vendedor está aflito, há sempre quem faça bom negócio.
Mas como é que se chegou a isto? Mesmo descontando que a maioria municipal já não consegue acertar uma, esta é o cúmulo.
Apesar dos avisos em contrário, lançaram-se à tonta para uma obra, sem fazer contas ao que tinham que pagar, ainda por cima com um mau projecto.
Já sabiam que estavam a nadar em dívidas até ao pescoço e que a lei não dava margem de manobra para mais empréstimos. Mas diziam que era muito urgente, porque não havia espaço para os serviços todos e se pagava muito de rendas para os ter espalhados pela cidade. Pois agora resolve-se isso: vende-se o prédio e faz-se um contrato de renda para os serviços todos, por 40 anos.
Da Assembleia Municipal poderia ainda vir um sinal de lucidez, que travasse esta cegueira. Mas pelo alinhamento tradicional de amouchar ao que a Câmara manda fazer, pouco há a esperar.
Resta-nos a fé nas autoridades deste país, que não andem todas a dormir. As palavras estrangeiras de “project finance” podem impressionar os tolos, mas basta olhar para a explicação, para ver que isto não passa de uma tentativa de fazer um empréstimo bancário: com um nome complicado, com um prazo a quarenta anos, com direito de superfície em vez de hipoteca. Será que cumprir a lei é só uma questão de mudar os nomes às coisas?
Se não houver quem ponha freio a isto, em vez de património, para o futuro ficam só dívidas, não só para uma próxima equipa autárquica, mas para as próximas 10!
De nada há-de valer às gerações futuras escolher melhores gestores do que estes que nos governam, porque terão às costas os encargos que a vaidade de hoje lhes impõe. Mesmo a partir de um lar de idosos, o fantasma destes políticos ainda vai continuar a assombrar o concelho durante uns bons quarenta anos.
Desta maneira não há dúvida de que ficam para a história.

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